Nos últimos anos, o mercado de crédito à habitação em Portugal tem sido marcado por duas tendências aparentemente contraditórias: o aumento contínuo da taxa Euribor e a diminuição dos spreads aplicados pelos bancos. Neste artigo, analisamos o impacto deste cenário no crédito à habitação entre 2020 e 2024, com base em informações partilhadas por economistas e análises publicadas no Expresso.
O Contexto Económico: Euribor e Spreads
A Euribor, que serve como base para muitos contratos de crédito à habitação em Portugal, começou a subir progressivamente a partir de 2022, em linha com a política monetária do Banco Central Europeu (BCE), que procurava controlar a inflação crescente. No entanto, mesmo com esta subida, os bancos portugueses seguiram uma estratégia de redução dos spreads para continuar a atrair clientes e manter a competitividade no mercado.
O que é o Spread e como se relaciona com a Euribor?
O spread é o diferencial acrescido à taxa de juro de referência (neste caso, a Euribor) que os bancos cobram para conceder crédito. Enquanto a Euribor é influenciada pela política monetária europeia e pelos mercados financeiros globais, o spread depende de fatores como o risco de crédito do cliente, as condições económicas e a concorrência entre bancos.
A Evolução dos Spreads entre 2020 e 2024
2020: Euribor em Valores Negativos e Spreads Relativamente Elevados
Em 2020, a Euribor manteve-se em valores negativos devido à política de estímulo económico do BCE, implementada para combater os efeitos da pandemia de COVID-19. Neste ambiente de taxas de juro historicamente baixas, os bancos aplicavam spreads relativamente altos, que em média variavam entre 1,2% e 1,5%. Esta prática refletia a percepção de risco elevado devido à instabilidade económica global.
2021: Pressão Competitiva e Ligeira Redução dos Spreads
Em 2021, com a recuperação gradual da economia e a estabilização do mercado de trabalho, os bancos enfrentaram uma pressão crescente para reduzir os spreads. A concorrência entre instituições financeiras intensificou-se, uma vez que o aumento da procura de crédito à habitação exigia condições mais competitivas.
Os spreads médios diminuíram ligeiramente para entre 1,1% e 1,4%, mesmo com a Euribor ainda em território negativo. Este movimento visava atrair mutuários num momento em que as taxas de juro globais ainda estavam muito baixas.
2022: Aumento da Euribor, mas os Spreads Continuam a Descer
A partir de 2022, o cenário económico mudou drasticamente com a inflação a escalar, causada pela crise energética e a guerra na Ucrânia. Em resposta, o BCE começou a aumentar as suas taxas de juro, levando a Euribor a subir de forma acentuada. Contudo, para muitos bancos, o aumento da Euribor significava que os clientes já estavam a enfrentar prestações mais altas, o que levou as instituições a reduzirem os spreads de modo a tornar os contratos de crédito ainda atrativos.
Os economistas citados pelo Expresso explicam que, apesar do aumento das taxas de juro, os bancos preferiram competir pelo volume de novos créditos, baixando os spreads. Neste ano, os spreads variaram entre 1,0% e 1,3%, marcando uma redução significativa face aos anos anteriores.
2023: Subida Agressiva da Euribor e Ajuste nos Spreads
Em 2023, a Euribor continuou a sua escalada, com valores a aproximarem-se dos níveis de 2008. Muitos contratos de crédito à habitação, sobretudo com taxas variáveis, viram as suas prestações aumentar drasticamente. Perante este cenário, os bancos continuaram a ajustar os spreads para manter a atratividade dos seus produtos. De acordo com o Expresso, a média dos spreads aplicados em 2023 variou entre 0,9% e 1,2%.
A competição bancária foi um dos fatores chave para esta descida. A lógica era clara: com a subida da Euribor a impactar significativamente as prestações mensais, manter spreads elevados poderia afastar novos clientes ou até incentivar a renegociação de contratos existentes.
2024: Estabilização da Euribor e Spreads Competitivos
As previsões para 2024 indicam que o BCE poderá abrandar a subida das taxas de juro caso a inflação se mostre controlada. Os economistas consultados pelo Expresso acreditam que os bancos irão manter os spreads em níveis competitivos, especialmente entre 0,8% e 1,1%, já que as taxas de juro de referência continuarão elevadas, aumentando o custo final do crédito para os mutuários.
Por que Razão os Bancos Estão a Reduzir os Spreads?
A estratégia de redução dos spreads face ao aumento da Euribor parece contraintuitiva, mas é sustentada por vários fatores:
Competitividade: À medida que o custo total do crédito sobe devido ao aumento da Euribor, os bancos competem pelos clientes oferecendo spreads mais baixos para atrair novos mutuários ou reter os existentes.
Risco Controlado: Mesmo com a Euribor em alta, muitos bancos portugueses têm uma carteira de crédito mais saudável, e a percepção de risco diminuiu em comparação com os primeiros anos da pandemia.
Volume de Crédito: A redução dos spreads ajuda os bancos a manter ou aumentar o volume de crédito concedido, compensando as margens menores com um maior número de contratos.
Acesso ao Financiamento Barato: Apesar das subidas das taxas, os bancos ainda têm acesso a liquidez relativamente barata no mercado, o que lhes permite ajustar os spreads sem sacrificar significativamente a rentabilidade.
Conclusão
Entre 2020 e 2024, os bancos portugueses adotaram uma política de redução dos spreads, mesmo com a subida acentuada da Euribor a partir de 2022. Esta estratégia reflete a necessidade de manter a competitividade num mercado de crédito cada vez mais exigente, onde os mutuários estão a lidar com o aumento do custo do crédito à habitação. Embora a Euribor tenha subido, os spreads reduziram-se significativamente, num esforço dos bancos para equilibrar o custo total do crédito e continuar a atrair novos clientes.
Esta tendência deverá continuar em 2024, à medida que o BCE avalia a estabilização das taxas de juro e os bancos ajustam as suas ofertas para enfrentar as condições económicas.
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